Sino dos ventos

terça-feira, 2 de outubro de 2012


BRUXA SOLITÁRIA
De Rae Beth

Que eu seja como algo que tece o pano na floresta,
 profundamente escondida.
Que eu possa fazer o meu trabalho sem interrupção.
Que eu seja uma exilada, se é este o sacrifício.
Que eu conheça a procissão sazonada
do meu espírito e do meu corpo, e possa celebrar os quartos em cruz,
solstícios e equinócios.
Que cada Lua Cheia me encontre a olhar para cima,
nas árvores desenhadas no céu luminoso.
Que eu possa acariciar flores selvagens, cobri-las com as mãos.
Que eu possa libertá-las, sem apanhar nenhuma,
para viver em abundância.
Que meus amigos sejam da espécie que ama o silêncio.
Que sejamos inocentes e despretensiosos.
Que eu seja capaz de gratidão.
Que eu saiba ter recebido a alegria, como o leite materno.
Que eu saiba isso como o meu cão, nos ossos e no sangue.
Que eu fale a verdade sobre a alegria e a dor,
 em canções que soem como aroma do alecrim,
como todo dia e na antiguidade, erva forte de cozinha.
Que eu não me incline à auto-integridade e à auto-piedade.
Que eu possa me aproximar dos altos trabalhos da
terra e dos círculos de pedra,
como raposa ou mariposa, e não perturbar o lugar mais que isso.
Que meu olhar seja direto e minha mão firme.
Que minha porta se abra àqueles que
 habitam fora da riqueza, da fama e do privilégio.
Que os que jamais andaram descalços não
encontrem o caminho que chega à minha porta.
Que se percam na jornada labiríntica. Que eles voltem.
Que eu me sente ao lado do fogo no inverno e
veja as achas brilhando para o que vier,
e nunca tenha necessidade de advertir ou aconselhar,
sem que me peçam.
Que eu possa ter um simples banco de madeira,
com verdadeiro regozijo.
Que o lugar onde habito seja como uma floresta.
Que haja caminhos e veredas para as cavernas
 e poços e árvores e flores, animais e pássaros,
todos conhecidos e por mim reverenciados com amor.
Que minha existência mude o mundo não mais
 nem menos do que o soprar do vento,
ou o orgulhoso crescer das árvores.
Por isso, eu jogo fora minha roupa.
Que eu possa conservar a fé, sempre.
Que jamais encontre desculpas para o oportunismo.
Que eu saiba que não tenho opção,
e assim mesmo escolha como a cantiga é feita,
 em alegria e com amor.
Que eu faça a mesma escolha todos os dias, e de novo.
Quando falhar, que eu me conceda o perdão.
Que eu dance nua, sem medo de enfrentar meu próprio reflexo.

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